“As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram”
(“Os Lusíadas” – Canto I – Luíz Vaz de Camões)
Nas comemorações dos 500 anos do nascimento do maior poeta português, Luíz Vaz de Camões, lembrei-me destes versos da maior obra épica portuguesa (e mundial) depois de estar um dia na sala de aula de português para emigrantes, acompanhando a monitora/professora Margarida Rodrigues, voluntária da Associação Cais.
Camões refere “ainda além da Taprobana”, isto é além, muito além do Império português de então. Oficialmente é a República Democrática Socialista do Sri Lanka, conhecido pela forma portuguesa equivalente Ceilão, adoptada pelo país até 1972. Era chamado de Taprobana na Antiguidade e na Idade Média, é um país insular asiático, localizado no largo da extremidade sul do continente indiano.
Camões referia-se à Taprobana como sendo longe, muito longe de Portugal, enaltecendo os feitos dos navegadores portugueses que se fizeram ao mar, em caravelas feitas de madeira a caminho de uma possível utopia, chamada Índia, numa aventura sem precedentes até então.
Hoje em dia são outros os navegadores. Todos Contam.
E de muito longe vieram estes alunos da Cais até aqui chegarem, a este porto em princípio seguro, que lhes ofereceria melhores condições de vida, trabalho, lar, cuidados de saúde, educação para os filhos, ultrapassada a barreira linguística.
Para eles nem tudo foi fácil, de maneira nenhuma. Cada um tem uma história de dor, sofrimento, rejeição, discriminação, de racismo, mas também de superação, de resiliência e de esperança.
Marcelo, Uma, Valentine, Sunca, George, Eugene, Betty, de nacionalidades e de países tão diferentes como Goa (Índia), Guiné, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Nova Deli (Índia), o que une estas pessoas, e como se juntaram todas?
A resposta a estas perguntas é fácil. São alunos das aulas de português para emigrantes na Cais – Associação de Solidariedade Social em Lisboa, ministradas pela monitora voluntária Margarida Rodrigues.
“Todos Contam” é, sem dúvida, o lema da Cais que efectivamente descreve estas aulas semanais de português, que ocorrem todas as sextas-feiras de manhã na sede da Cais em Lisboa.
Nem todos falam português, apesar de alguns entenderem, a língua mais falada é o inglês, mas a “necessidade”, também a curiosidade, em aprenderem a língua do país que os recebeu, e onde trabalham e vivem é algo que levam muito a sério, daí virem da Pontinha, de Odivelas, Lumiar até à Rua do Vale Formoso de Baixo.
Margarida Rodrigues, o que é que tu achas dos “teus” alunos? Diz-me o que é que tu achas destas aulas que estás aqui a acompanhar/ensinar com um grupo de pessoas bastante interessadas em aprender português.
É um ambiente excelente, são todos muito amigos, sinto-me sempre superconfortável. Estou aqui com vontade de aprender, mas ao mesmo tempo estou mais com vontade de conviver, de ensinar.
Precisamos mais de convívio o que eu acho que é bom porque as pessoas que aqui vêm, estão deslocadas e precisam de um espaço em que sintam que existem outras em condições semelhantes, e nesse sentido é muito importante para todos, será mais esse o âmbito.
As idades dos alunos de português para emigrantes na Cais variam entre os 30 anos e os 74 anos, alguns chegaram há um ano, enquanto outros já vivem e trabalham em Portugal há mais de 20 anos.
Na sua grande maioria vieram para Portugal para trabalhar, para dar uma melhor vida e segurança a si e aos filhos, para organizar a vida, mas também há quem tenha vindo por motivos de saúde, ou para fugir da guerra.
Três opiniões que passo a transcrever da entrevista colectiva feita a estes alunos de português na Cais:
“Vivo em Portugal há 12 anos porque é bom viver aqui, sem qualquer tipo de problema”;
“Vim para Portugal devido a uma infeliz circunstância – a guerra na Ucrânia, onde vivia e estudava. Vim para apreciar e amar Portugal. Um excelente clima, uma grande diversidade cultural, e muitos outros aspectos da vida aqui fizeram com que eu, agora, chame de minha casa”;
“Eu vivo em Portugal há 20 anos. Vivo em Portugal porque é um País lindíssimo, adoro o clima, a segurança e a tranquilidade”.
Margarida Rodrigues, nestas aulas tens pessoas de África, da Ásia, com níveis de aprendizagem diferentes de português. Esta situação é complicada?
Não. Dão-se todos bem uns com os outros e querem aprender a língua do País onde estão, onde trabalham e vivem, e ajudam-se para ultrapassar as dificuldades.
O que eu noto mais é a diferença de ambição entre os homens e as mulheres. As mulheres que aqui estão, são todas empregadas domésticas, trabalham principalmente em limpezas, os homens em minha opinião são mais ambiciosos, querem ir um pouco mais longe.
A maioria quer aprender o português para encontrar trabalho, ou encontrar um emprego melhor ou apenas aprender a língua de Camões, mas os sonhos e os objectivos para 2025 são algo que também move estes emigrantes que vieram “além da Taprobana” até este “jardim da Europa à beira-mar plantado” como no verso de Tomás Ribeiro no poema “A Portugal”.
“Estou a trabalhar arduamente para melhorar a minha vida. Os meus sonhos são para ver o crescimento da minha filha”;
“Os meus sonhos e objectivos para 2025 são ter saúde e viver uma vida feliz”;
“Sou Cozinheiro especializado em cozinha nigeriana. O meu sonho para 2025 é melhorar as minhas competências e aprender a cozinhar cada vez melhor, especialmente as cozinhas portuguesa e italiana”;
“O meu sonho para 2025 é encontrar um melhor emprego”;
“O meu sonho para 2025 é trabalhar e organizar a minha vida”;
“O meu sonho para 2025 é aprender a falar e a escrever português”.
Gostava de deixar alguns números sobre a emigração em Portugal, que contrariam todo o discurso de ódio, de racismo, de xenofobia que tem sido frequente na sociedade portuguesa nos dias de hoje:
“Portugal é hoje o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção da população residente. O número de emigrantes portugueses supera os dois milhões, o que significa que mais de 20% dos portugueses vive fora do país em que nasceu.”;
“Portugal tem mais de um milhão de estrangeiros, aumento em 2023 foi de um terço. Em seis anos, o número de estrangeiros em Portugal mais do que duplicou. São agora mais de um milhão a viver em Portugal. Aumento registado em 2023 foi de 33,6%”;
“Os estrangeiros a viver em Portugal contribuíram mais do que aquilo que receberam da Segurança Social. Nos primeiros oito meses de 2024, a comunidade imigrante pagou contribuições de mais de 2 mil milhões de euros, um novo máximo histórico. Já o montante recebido foi apenas 380 milhões de euros, no mesmo período”;
“Em 2019, os crimes desceram para 15.422 e os estrangeiros residentes aumentaram para quase o dobro: 14.558. Em 2023, os estrangeiros residentes no Porto voltaram a duplicar – para 35.653 – e o total de crimes registados foi de 14.552. No Porto, os estrangeiros representam neste momento 14,3% da população”;
“Segundo o Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (RIFA), ainda elaborado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), “em 2022 verificou-se pelo sétimo ano consecutivo, um acréscimo da população estrangeira residente, com um aumento de 11,9% face a 2021, totalizando 781.915 cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência”. Um número que quase duplicou em dez anos. Mas, apesar de terem entrado no país mais imigrantes, os dados mostram que a subida não teve reflexo na criminalidade.”
“Sem emigrantes, actividades como a construção civil, hotelaria e restauração, trabalho doméstico, entre outras, estariam a passar por uma grave crise de falta de pessoas”.
A nossa Missão na Cais é contribuir para a melhoria global das condições de vida de pessoas social e economicamente vulneráveis, em situação de privação, exclusão e risco.
(as opiniões dos emigrantes das aulas de português orientadas pela monitora voluntária Margarida Rodrigues na Associação Cais de Lisboa, foram expressas em inquérito feito na aula de 14 de Fevereiro de 2025)
Repórter Z
(Ricardo Pocinho)