Nuno do Carmo, Coordenador do Centro CAIS Porto e do projeto CAIS Recicla entre 2018 e 2021
Nenhuma organização ou projeto estanque sobrevive no tempo. Independentemente do que possamos fazer, na vida, é imperativo que percebamos porque o fazemos, qual o caminho que seguimos, e qual o impacto das nossas ações – e a CAIS tenta, desde a sua fundação há 27 anos, encontrar formas inovadoras de contribuir para uma sociedade mais digna e justa. Há uma certa irreverência, que visa não só encontrar soluções inclusivas e capacitantes, mas também abrir novos caminhos, promovendo uma reflexão sobre a sociedade que queremos.
A CAIS Recicla é um dos nossos principais projetos de capacitação. Somos uma oficina criativa, que transforma materiais desperdícios em produtos de papelaria eco-friendly – sendo estes produtos manufaturados por beneficiários da Associação CAIS. O nosso impacto é, assim, duplo – social, pois promovemos novas oportunidades de capacitação e integração para cidadãos talentosos numa situação de vulnerabilidade, e ambiental, pois evitamos que grandes quantidades de desperdício acabem em aterros.
E, nestes últimos 3 anos, conseguimos transformar radicalmente o projeto, de modo a exponenciar ainda mais o impacto criado. Uma nova equipa de gestão trouxe uma nova filosofia em que se procurou, numa primeira fase, consolidar processos internos, depois desenvolver uma nova linha de imagem e comunicação e depois expandir e consolidar o projeto.
Um projeto não poderá nunca ser sustentável se não envolver a população. E, por isso, ouvimos toda a gente. De artesãos presentes e passados, a designers, a clientes, a fornecedores. Queríamos perceber o que melhor funcionava, o que poderia ser adaptado, o que poderia ser desenvolvido. Queríamos também ter uma filosofia coerente e inclusiva. E, tendo as conclusões desta auscultação como base, iniciamos uma onda de mudanças.
Adaptamos os processos às pessoas, pois alguns exigem características específicas, a nível de motricidade fina e visão, por exemplo. Adaptamos horários, cargas de trabalho, criando um espaço em que todos são bem-vindos. Criou-se um espírito comunitário, em que a voz de todos é importante, mas em que o espaço de cada um é personalizado.
E, depois, inventamos. Há um espaço para a criatividade e inovação – os produtos que, hoje, criamos, são sempre únicos, pois dependem dos materiais que temos disponíveis. Não impomos limites ao que fazemos, e desafiamos todos os que connosco colaboram a imaginar.
Estas mudanças tiveram um impacto imediato. Crescemos continuamente, adquirimos novas máquinas e ferramentas. Envolvemos mais pessoas, tendo em 3 anos quase duplicado o número de artesãos. Fazemos mais, e com mais detalhe e qualidade, conseguindo hoje responder a qualquer encomenda. Renovamos um espaço, que hoje é a nossa oficina e showroom – queríamos conquistar essa dimensão, estar acessíveis e sermos transparentes, de modo a que qualquer pessoa possa ter um contacto direto com o nosso trabalho, produtos e processos.
Em paralelo a essas transformações, expandimos a nossa base de clientes, enviando produtos para novos clientes em Portugal e no Luxemburgo. Apesar dos nossos planos para 2020 terem sido gravemente afetados pela pandemia, utilizamos os períodos de confinamento para o desenvolvimento da nossa imagem e linha de comunicação, assente em 3 pilares – vidas, produtos, e clientes. Pretendemos, assim, ser coerentes em toda a nossa mensagem. Transformamos as vidas dos beneficiários, os produtos/materiais em que tocamos, e os clientes que colaboram connosco, criando assim, em conjunto, valor social e ambiental.
Envolvemos ainda mais os clientes em todo o processo. De brochuras, a posters, a lonas e bandeiras, a maior parte das organizações tem materiais obsoletos, que tentamos integrar nos nossos produtos – o que resulta não apenas num maior impacto ambiental, mas cria também uma maior ligação emocional entre o cliente e o produto.
Desenvolvemos também novas métricas de impacto, de modo a conseguirmos perceber o nosso projeto nas 3 dimensões acima descritas. Avaliamos a evolução dos artesãos e colaboradores não só no desenvolvimento das suas competências profissionais, mas também no seu bem-estar pessoal. Hoje, temos pessoas e parceiros que nos procuram ativamente e trabalhamos com uma equipa saudável e feliz, em tudo dedicada ao projeto e seu crescimento. 100% dos nossos clientes responderam que voltariam a encomendar os nossos produtos, com uma média de satisfação de 4.75 em 5.
Para 2021, temos planeado terminar a renovação da oficina, de modo a podermos potenciá-la ainda mais. Mantenha-se atento pois, em breve, vamos lançar uma nova coleção de produtos. Contratamos, pela primeira vez na nossa história, alguém para gerir a produção. Estamos a preparar uma loja online, a aquisição de novas máquinas e ferramentas, e a experimentar com novos processos manuais, como serigrafia e linografia.
Temos uma missão clara e um rumo que temos vindo a traçar com o apoio de todos. Continuaremos abertos a novas formas de criar um impacto positivo na vida dos nossos beneficiários e parceiros, assim como a formas de reduzir desperdício. Esperamos que nos desafie e que se junte a nós nesta onda de transformação.
Entrem em contato através do caisrecicla@cais.pt
Todas as nossas ligações em linktr.ee/caisrecicla
Nota biográfica:
Coordenador do Centro CAIS Porto, da Associação CAIS, e do projeto CAIS Recicla, desde 2018.
Viveu, por motivos profissionais e académicos, em 10 países. Com experiência na área social, desenvolvimento comunitário, e relações internacionais, em tópicos distintos, desde populações vulneráveis, acesso à educação, reconciliação pós-conflito, inovação social, e alterações climáticas, foi mantendo ligação tanto a organizações internacionais como a pequenas ONGs de âmbito local, em pontos remotos do planeta. A sua ligação à academia é intermitente, tendo sido docente universitário na Malásia, num programa para populações refugiadas da Birmânia/Myanmar, e convidado em algumas universidades na Tailândia e Portugal.
É formado em Ciência Política, Mestre em Assuntos Públicos Europeus, pós-graduado em Serviço Social [ISCTE-IUL], Direito das Autarquias Locais e Urbanismo [FDUP], e Gestão de Organizações de Economia Social [UCP], tendo igualmente concluído a parte curricular do Doutoramento em Ciência Política da UCP.
Antigo jogador de hóquei em patins e triatleta de longa distância [hoje fora de forma]; fotógrafo e pintor amador.
Acredita em integridade, em bravura, e na necessidade de desenvolvermos uma cultura comunitária assente em valores de partilha e apoio mútuo.