Sandra Araújo indicada para coordenar a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, e também diretora executiva da EAPN Portugal, foi a convidada para escrever o editorial CAIS deste mês.
Há esperança
Combater a pobreza e a exclusão social é, provavelmente, um dos maiores desafios que encontramos no século XXI. De facto, cada vez mais, quer entre os países do Norte e do Sul quer no interior dos próprios países, encontramos gritantes desigualdades e o agravamento da pobreza associado ao desemprego, à precariedade e exclusão social, à expropriação do poder de decisão dos cidadãos/ãs sobre a sua própria vida e sobre a sociedade, sendo estes apenas alguns dos efeitos perniciosos da globalização neoliberal.
Também em Portugal, o problema da pobreza e das desigualdades económicas e sociais é um problema estrutural e persistente na nossa sociedade, que precisa de ser encarado com determinação e coragem política. Os dados do EU-SILC2021 indicam uma taxa de risco de pobreza ou exclusão social de 22.4%, equivalendo a 2 312 mil pessoas nessa condição de vulnerabilidade. Cerca de 82% da população em risco de pobreza ou exclusão social estava em risco de pobreza monetária, 26% em situação de privação material e social severa e 18% em agregados com intensidade laboral muito reduzida. Sublinhe-se que 81 mil pessoas acumulavam as três situações de vulnerabilidade, estando simultaneamente em risco de pobreza monetária, em privação material e social severa e em agregados com intensidade laboral muito reduzida.
Este cenário é ainda mais preocupante quando o fim da pandemia em 2022 é acompanhado por uma escalada dos preços das energias e dos bens alimentares e por uma guerra em território europeu sem que seja previsível o seu fim. Por tudo isto, é indiscutível que o combate à pobreza e as desigualdades tem de ser assumido como uma prioridade política. Um compromisso que o Governo assumiu ao aprovar a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, um instrumento que visa concretizar uma abordagem multidimensional e transversal de articulação das políticas públicas tendo em vista a erradicação da pobreza. Enquadrada no desafio estratégico de redução das desigualdades, a Estratégia define seis eixos prioritários de intervenção, em estreita articulação com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, e define como metas, a redução da taxa de pobreza monetária para 10% da população, retirando 660 mil pessoas da situação de pobreza, e a redução para metade a taxa de pobreza nas crianças, retirando 170 mil crianças dessa condição.
Uma ambição desta magnitude tem de fundar-se num conjunto de pressupostos essenciais, desde logo, um compromisso político firme e transversal a todas as áreas das políticas públicas, assumindo que o combate à pobreza não é exclusivo das políticas sociais e a sua relação direta com a política económica. Mas, também, a necessidade de mobilizar os recursos necessários para a mudança e de promover uma consciência coletiva da necessidade de erradicar a pobreza em todas as suas formas. Sabemos como as situações de pobreza são penalizadoras em várias dimensões da vida quotidiana das pessoas e famílias, nomeadamente no que respeita ao acesso a alimentação adequada, aos cuidados de saúde necessários, a educação de qualidade, aos meios de transporte e ao acesso ao emprego, ao exercício da cidadania como garantia de uma vida condigna e de uma plena inclusão social.
De facto, enquanto desafios estruturais, a pobreza e a exclusão social exigem intervenções a vários níveis, de médio e longo prazo, incluindo um sistema educativo mais abrangente e inclusivo, que seja interventivo na quebra da transmissão intergeracional da pobreza; uma repartição dos rendimentos mais equilibrada, por via do mercado de trabalho, das transferências sociais e dos impostos; um mercado de trabalho mais justo, menos desigual, mais inclusivo e sustentável; um sistema de proteção social mais eficaz e eficiente preservando a sua sustentabilidade. A Estratégia incorpora todas estas dimensões e, neste sentido, acredito que representa um importante sinal de esperança para o país e, essencialmente, para todos aqueles que vivem em situação de risco de pobreza e exclusão social, bem como uma oportunidade de construirmos um Portugal mais coeso, em que a luta contra a pobreza e a exclusão seja a marca distintiva do crescimento e desenvolvimento de Portugal.
Nota Biográfica
Sandra Araújo
53 anos, natural de Moçambique, Assistente Social de formação. Iniciou a sua carreira técnica em 1992 no Projeto de Luta Contra a Pobreza, no Centro Histórico de Gaia. Em 1994 ingressou na Rede Europeia Anti Pobreza/Portugal e, entre 2006 e 2022, exerceu o cargo de Diretora Executiva desta Instituição. Atualmente exerce o cargo de Coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030.