É tempo de ir ao pomar…e partilhar!
Na minha infância costumava ir com a minha avó ao pomar apanhar laranjas. No tempo delas, apanhava-as da árvore e ia com ela reparti-las pelas vizinhas. …mais tarde, a minha avó recebia figos, pêssegos, uvas. Na época em que abundavam, partilhava-se com os outros o que tínhamos de fartura, era esse o espírito daquele tempo. Hoje já quase não se partilha, nem tempo, nem laranjas… há sempre falta de tempo… o tempo é bem mais precioso que as laranjas. Não temos tempo para colher laranjas, muito menos para as partilhar com os outros. Acontece também que raramente recebemos “figos, pêssegos e uvas”… por isso vamos comprá-los. Compramos tudo, compramos tempo com o nosso tempo, e acabamos sempre por ficar a perder nesta equação. Pensei nisso e apercebi-me que, ao comprarmos o tempo, não é só tempo que perdemos, perdemos a oportunidade de criar laços, perdemos a experiência, a viagem, o cheiro das laranjas acabadas de colher, as mãos sujas, a companhia da minha avó, as conversas e as histórias que surgiam nesses encontros. No supermercado onde agora compro laranjas, já não se sente esse cheiro, não sujo as mãos, não sei nada da laranjeira, não conheço as histórias da operadora da caixa, nem sequer o seu nome, e sigo caminho com um saco de laranjas incógnitas! Se elas são incógnitas, é apenas pelo tempo que eu não lhes pude dedicar.
As laranjas são apenas uma metáfora do tempo que eu dedicava ao que gostava, o pomar a própria escolha de como usamos o tempo. Se em vez de comprarmos tempo para termos tempo, pudermos investir esse nosso tempo com os outros, estou certo que em retorno, além de mais tempo, receberemos “figos, pêssegos e uvas”.
Para mim fazer voluntariado é fundamental por isso mesmo. Um tempo que usufruímos a partilhar, a apoiar e a criar laços que nos irão enriquecer a todos.
Eu gosto de encontros. Sempre gostei. Não sei se farei grande diferença na vida de alguém investindo um pouco do meu tempo nesse encontro, mas sei que quero partilhar mais tempo com o que gosto. Invisto parte do meu capital em afetos, na partilha dos meus conhecimentos, na escuta, no estar, ali, para alguém.
Neste momento presente, julgo que ficámos todos com a consciência que sozinhos valemos muito pouco. Precisamos todos uns dos outros para ultrapassar dificuldades. Precisamos de “outros” que nem sequer conhecíamos, de “outros” que jamais conheceremos e que sem esse “outro” invisível seríamos um pouco de nada… E, precisamente, tantas vezes um pouco de nada faz toda a diferença… sermos um abraço, um amigo, um abrigo, uma palavra… um simples olhar de atenção, um gesto dedicado à existência de “outro” ser.
Estou convicto que ser voluntário é mais do que um gesto de solidariedade – palavra bonita – é um investimento para o futuro. Um voluntário, mais do que partilhar o seu conhecimento, o seu tempo, a sua presença, investe no futuro. Acredito que, se ao nosso lado, ou à nossa porta, na nossa rua, no nosso bairro, na comunidade, TODOS estiverem bem, então o mundo será um lugar ainda melhor.
É por isso que em vez de comprar tempo e laranjas incógnitas, vou sempre que posso ao pomar, e tal como a minha avó, um dia, certamente receberei “figos, pêssegos e uvas”.
Nuno Távora
43 Anos, natural de Lisboa. Trabalha como actor e formador desde 1997. Juntou-se à Cais, enquanto voluntário, em 2019. Desde então, dinamiza o grupo de teatro e as sessões de Expressão Dramática.