Se pararmos um pouco para pensar, rapidamente concluímos que o mundo em vivemos é profundamente marcado por desigualdades sociais, desigualdades que, em primeiro lugar, marcam profundamente os que delas são vítimas. Pense-se na habitação, na saúde, na alimentação, na educação, no emprego, no rendimento, no acesso à cultura ou ao lazer, na possibilidade de exercício de cidadania, e veja-se a distância indecente que separa os mais ricos dos países desenvolvidos dos mais pobres dos países em desenvolvimento. Mas veja-se igualmente a distância que separa os muito ricos dos países em desenvolvimento da massa da restante população, e essa distância não é menos chocante do que a anterior.
Para lá da questão da desigualdade de condições de existência e das graves divisões sociais que elas geram, considerem-se também as desigualdades de género. Se elas vêm sendo eliminadas ou mitigadas, em muitos aspetos, nos países ocidentais, apresentam-se das maneiras mais brutais noutras partes do mundo, onde meninas e mulheres têm o acesso à escola, ao emprego, a uma vida própria, severamente limitado ou literalmente impedido. E considerem-se ainda as minorias étnico-raciais em muitos lugares do planeta, sobrevivendo em condições precárias e sendo alvos fáceis de preconceito e discriminação, o que condiciona, por vezes de modo inexorável, as possibilidades de vida dos seus membros.
A omnipresença das desigualdades sociais, a sua dimensão quase incomensurável, tem o efeito perverso adicional da sua naturalização, de se achar que tal desumanização é inerente à condição humana, e assim desanimar o combate que lhes é devido. Desenvolvimento económico, democracia, respeito pelos direitos humanos, políticas sociais eficazes constituem o caminho possível para mudar este estado de coisas.
Deixando a escala global, e passando para a realidade portuguesa e para as desigualdades socioeconómicas que nos tocam de perto – e não esqueçamos que Portugal é dos países europeus em que a diferença de condições de vida entre os mais ricos e os mais pobres é maior –, os desafios e os modos de os enfrentar são conhecidos.
Do lado do mercado, a necessidade de mais e melhor crescimento económico, que traga salários mais altos, que minimize o desemprego e o subemprego, que elimine a situação absurda de, trabalhando a tempo inteiro, poder continuar-se pobre. Do lado do Estado, o cumprimento das suas funções sociais, nas várias frentes em que se desdobram, que só mais riqueza económica permitirá assegurar.
Para deixar um tema à reflexão dos leitores, pense-se no exemplo da educação. As crianças e jovens dos territórios onde se concentram os mais pobres, entre os quais muitas famílias de minorias étnico-raciais, tem como única via realista para escaparem à pobreza a realização de trajetos escolares bem-sucedidos. São esses trajetos que trazem competências para a vida profissional e capacidade de exercer plenamente a cidadania. Para que esses trajetos aconteçam é preciso, pelo menos, que as escolas desses lugares sejam as melhores escolas. E são? Ou as melhores escolas estão apenas nos meios socialmente mais favorecidos, frequentadas por crianças e jovens que dispõem, à partida, de vantagens de origem social?
Fernando Luís Machado, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
Fernando Luís Machado. Nasceu em 1959, em Luanda. Sociólogo. Professor Associado do Departamento de Sociologia e investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.