A abordagem preventiva e a participação ativa como pilares essenciais da intervenção
O tempo assume um papel preponderante na intervenção junto de pessoas em situação de sem abrigo. A intervenção e a pesquisa têm vindo a demonstrar que quanto mais tempo a pessoa se mantiver em situação de sem abrigo, maior tenderá a ser a sua vulnerabilidade em termos de condição de saúde, de empregabilidade, na sua relação com a família e pessoas próximas, amigas e de vizinhança. Cada vez maior tenderá também a ser o seu grau de afastamento em relação aos diferentes serviços disponíveis na comunidade. Para além disso, acrescem ainda as perdas individuais, ao nível das competências, capacidades e até da autoestima, que tende a ir-se desvanecendo. Com a permanência na condição de sem abrigo, as pessoas tendem a ir padronizando os seus comportamentos, limitando as suas perspetivas futuras e (sobre)vivendo apenas (a)o presente.
Mais do que uma intervenção paliativa, importa promover práticas em que a prevenção dessas situações seja integrada numa leitura mais abrangente, que reconheça a heterogeneidade da população em situação de sem-abrigo, bem como a complexidade da relação entre os fatores estruturais (já conhecidos) e fatores individuais, algo voláteis, que as caracterizam.
O projeto HOOD – Homeless’s Open Dialogue, conduzido em Portugal pelo CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social, nasceu a partir destas inquietações. Através de uma parceria que envolve seis entidades de cinco países diferentes, bem como três entidades associadas, tem como motivação primeira introduzir uma mudança de paradigma na intervenção social junto de pessoas em situação de sem abrigo, passando-se de uma abordagem centrada na emergência para uma abordagem centrada na prevenção.
Esta mudança de paradigma só se torna bem-sucedida se for feita em profunda articulação com práticas metodológicas centradas na pessoa, enquanto sujeita de direitos, e no seu empoderamento ao longo do processo de intervenção. É este o enfoque do ‘co-planeamento capacitante’, inicialmente desenvolvido para o trabalho com população com deficiência e das ‘práticas dialógicas’, inspiradas no trabalho desenvolvido sobretudo na área da saúde mental.
Nesta simbiose, relevante e necessária, a intervenção centra-se, pois, na pessoa, na sua autodeterminação e no controlo que esta deve ter da sua própria vida. Propõe-se uma efetiva redistribuição de poder, procurando retirar-se da equação dinâmicas em que compita apenas ao/à profissional definir, de forma unívoca, qual o melhor caminho para a pessoa beneficiária e esperar que ela se fidelize a essa proposta sem restrições. Ao invés, procura-se empoderar a pessoa beneficiária na orientação da intervenção, tornando-se o/a profissional uma ferramenta de apoio a este processo. Cria-se assim, entre profissional e pessoa beneficiária, uma relação mais igualitária, na qual ninguém tem o direito de definir a narrativa única e final do processo, dando origem a um percurso dialógico no qual a intervenção é definida não por uma única voz, mas por uma multiplicidade de vozes.
Por último, deve salientar-se que tal mudança de paradigma será certamente alavancada se acompanhada por uma mudança de paradigma ao nível das medidas de política e, claro, dos mecanismos de apoio (incluindo financeiros) que estão na base das práticas de intervenção.
Nota Biográfica
Pedro Perista e Paula Carrilho desenvolvem atividade de investigação no CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social e são responsáveis, em Portugal, pelo projeto HOOD – Homeless’s Social Dialogue, apoiado financeiramente pelo programa Erasmus+ da Comissão Europeia (Projeto No. 2020-1-IT02-KA204-079491).
Entre as suas áreas de investigação, as questões ligadas à pobreza e exclusão social, direitos humanos e condições de vida e de trabalho assumem particular relevância, salientando-se a participação em redes europeias como a Rede Europeia de Análise de Política Social (ESPAN) e como ponto focal em Portugal da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound).